segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Um minuto do seu tempo

Um minuto de silêncio, atualmente, não passa de alguns poucos segundos. Na era do “tempo é dinheiro”, o silêncio é incômodo, angustiante, não fica bem na tela, ou no espetáculo. A reflexão que a homenagem propõe, mal permite que se lembre um nome, afinal, o mais importante é o que está para acontecer.


Ler este texto consumiu mais tempo do que o minuto que hoje se pratica. Que a reflexão ocorra em algum outro momento...

domingo, 3 de abril de 2011

I wish I was

She told me she was reading.

I wish I was reading too...
I wish I was reading her eyes, while confessing all the love I feel for her;
I wish I was reading her smile, while our mouths stop kissing for one moment;
I wish I was reading her
I wish I was

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Shangri-La no Ceará

Esta semana, enquanto esperava minha companhia voltar das compras, resolvi entrar numa das poucas lojas de cds aqui de Natal. Hoje só sobrevivem mesmo se vinculadas a grandes âncoras em shoppings ou megastores. Perguntei ao atendente onde ficava a seção de clássicos e ele me indicou duas prateleiras, onde se encontrava de tudo, menos música de concerto. Enquanto eu tateava, cada segundo menos esperançoso, meu dedicado novo amigo tentava me convencer das qualidades relaxantes de um cd que era na verdade uma coletânea de arranjos orquestrais de música celta, ou algo do gênero.

Após vasculhar bastante, encontrei perdido em outra parte da loja, um único cd de Nelson Freire interpretando os Noturnos de Chopin. Segundo o rapaz o exemplar estava catalogado como Bossa Nova. Percebi que era perda de tempo tentar argumentar qualquer coisa. Resignei-me, pois pelo menos tinha nas mãos uma “raridade” pra levar pra casa. O anúncio do preço de 46 reais acabou de vez com o tom cordial que me esforçava por manter. Entreguei de volta o cd e saí da loja com inveja dos cearenses. Sabia que em Fortaleza já tem Livraria Cultura?

sábado, 4 de setembro de 2010

Fantasia de prateleira

Desde que me entendo por gente adoro uma boa história de ficção, carregada de personagens e cenários que só podem mesmo existir na imaginação. A possibilidade de dar vida a toda essa fantasia, seja em páginas ou na tela, torna menos severa a concretude do mundo e nos permite experimentar um sonho lúcido no qual virtualmente tudo pode acontecer.

Essa inclinação para a ficção, somada ao alarido que ecoava por todo lado, acabaram atraindo minha atenção para um certo seriado de tv, de nome curto e enigmático: LOST.

A curiosidade foi finalmente saciada quando um amigo me emprestou os dvds das duas primeiras temporadas, que devorei em cerca de 3 dias. Pude então compreender a razão de tanto entusiasmo: a série possuía alguns ótimos ingredientes.

O enredo é basicamente o seguinte: um grupo de cerca de 40 pessoas é misteriosamente atraído para o mesmo voo, e o avião acaba caindo numa ilha isolada. Enquanto se recuperam do acidente e vão explorando os arredores, não demoram a perceber três coisas: que não seriam resgatados a curto prazo (estavam perdidos), que não estavam sozinhos e que a ilha era uma enorme caixa de surpresas. Até aí nada de tão extraordinário. Na verdade tudo isso é bastante clichê e já serviu de base para inúmeros filmes, de aventuras baratas a mega produções, incluindo romances, terror, fugitivos, dinossauros e alienígenas.

O que fez das primeiras temporadas de Lost um sucesso tão grande foi a teia de enigmas, construída de modo a prender a atenção, uma vez que certos mistérios iam sendo solucionados à medida em que outros eram constantemente introduzidos. Esse ingrediente, porém, não sustentaria o interesse se não fosse pelo carisma dos diversos personagens. Enquanto iam interagindo entre si, a história da vida de cada um até o momento do acidente era contada nos episódios, aumentando a familiaridade do espectador e criando condições para a catarse, tão importante para o drama.

Ao final da terceira temporada, eu já fazia parte da massa de seguidores, sempre ávidos pelo próximo episódio. Baixava-os um dia depois de irem ao ar no exterior, formulava teorias sobre os enigmas em conversas e acompanhava as atualizações e discussões pela internet.

A este ponto o seriado já havia adquirido uma enorme popularidade em boa parte do mundo e, infelizmente, fenômenos assim não ficam imunes às pressões e tentações capitalistas. O frenesi da fama trouxe consigo o famigerado alongamento da história, com a sintomática inclusão de novos e descontextualizados personagens. A narrativa passou a incorporar deslocamentos temporais e realidades paralelas que fragmentavam a compreensão mais do que renovavam o interesse. A coerência começava a ser preterida em nome da manutenção da audiência, de modo que passei a temer pelo desfecho da história. Mesmo assim continuei firme até o final da sexta e última temporada, na expectativa de ver solucionadas pelo menos algumas dúvidas centrais para o entendimento de toda a série.

Os criadores haviam inserido mais elementos do que podiam controlar. O sonho lúcido aos poucos transformava-se no pesadelo da maioria dos entusiastas, que anteviam a gigantesca frustração iminente.

Após seis anos, a história é enfim concluída de modo simplório e conciliatório, no qual a falta de originalidade por si só já frustraria o espectador que por tanto tempo foi levado a desenvolver sua imaginação e sua capacidade de síntese. Privilegiou-se o processo, em detrimento do desfecho. O processo de manter em alta a expectativa, que por sua vez sustentava a audiência, foi o mais importante. Certamente arrecadaram milhões e criaram novos astros para o mercado, mas desperdiçaram a oportunidade de deixar uma obra artística de valor.

Em meio à crise de identidade, à profusão de estímulos e à superficialidade das informações que imperam em nosso tempo, Lost poderia ter sido muito mais do que mais um produto nas prateleiras. Um produto que hoje não recomendo a meus amigos.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Ateísmo

Não acredito em deus. Sou ateu.

Quer saber o porquê?

Acredito que todos os deuses, antigos ou atuais, são criações humanas, pois simplesmente não conseguimos aceitar a ideia da morte. Gandhi disse: “viver seria um passatempo absurdo se tudo acabasse com a morte”. A ideia da presença de um deus é tão forte culturalmente que acaba por (de)limitar a visão de mundo, quase sem questionamentos. Se você tivesse nascido árabe, provavelmente acreditaria em Alah. Se tivesse nascido tupi-guarani rezaria para Nhanderuvuçu ou Tupã, seu mensageiro-trovão. Se fosse um egípcio há três mil anos, teria mais de uma dezena de deuses para lhe explicar o mundo. Somos nascidos no ocidente, na América, e devemos ser, culturalmente falando, cristãos. Todos os outros deuses tendem a parecer ridículos e fantasiosos, menos o nosso. E são milhares deles!

Mitos. É o que são todos os deuses, independentemente da época ou cultura. Personificações mitológicas para confortar nossa finitude e imperfeição e para fornecer respostas prontas a nossas inquietações. Em meu modo de pensar, a humanidade ainda se libertará de deus e poderá atingir seu verdadeiro potencial. Deixaremos de acreditar no divino e passaremos a cuidar mais do humano. Deixaremos de lamentar passivamente nossa frágil condição e passaremos a construir o verdadeiro bem-comum. Aí sim teremos paz, igualdade e fraternidade. Como dizia John Lennon: “imagine there’s no heaven... and no religion too”.

Sou ateu por acreditar que a fé religiosa e a noção de deus nos limitam, nos segregam e nos impõem um temor constante da própria vida. Sou ateu por acreditar que toda essa história cristã, por mais tocante que seja, é uma grande e elaborada mentira. Sou ateu e não estou sozinho. As pessoas estão perdendo o medo de pensar por si próprias.

Pensar assim não significa deixar de aproveitar o que de bom ensinam as religiões. Pensar assim não significa jogar fora as virtudes, o bom senso, a responsabilidade e a moral. Exercer tudo isso sem a noção de um juiz observador pode ter mais valor do que fazê-lo apenas pelo temor do julgamento e da punição do sofrimento eterno. Mesmo sem estar engajado em algum programa voluntário, minha espiritualidade chama-se altruísmo, seja como mera esperança, concepção de mundo ou ideologia de humanista secular.

Se essa leitura puder proporcionar uma nova perspectiva a considerar, já terá valido a pena.

Se quiser entender como encontro conforto para a ideia da morte, leia o ensaio “Imortalidade”.

sábado, 14 de agosto de 2010

Acróstico

Falar de amar então criou sentido

Ímã teu olhar me há vestido

Vivo por sorrir-te a poesia

Identifico a luz doar-me o dia

A cada tempo meu que te anuncia.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Encontro

Onde estava o som e o movimento
Das ondas do mar, amor?
Onde ancorava o pensamento
Que o tempo de mim levou?
Onde estava o cais?
Onde tudo mais
Aguardava o teu tocar

Onde estava aquela saudade
De um dia ou dois sem se encontrar?
Onde estava a felicidade
E a cumplicidade no olhar?
Onde estava a cor?
Onde toda flor
Aguardava o teu olhar

Se o destino acalentava
Uma paixão assim
Conspiravam ventos
Planejavam tempos
Se o acaso me levou
A te desvendar
Uma flor que nasce
Me pediu que amasse

Onde estava toda poesia
Que retoca a força das paixões?
Onde se escondeu a melodia
E o sentido de tantas canções?
Onde estava eu?
Onde tudo meu
Aguardava a tua paz.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Imortalidade

Quem quer viver para sempre?

Ser imortal é uma das maiores preocupações do ser humano. Gastamos tanta energia com essa ansiedade que esquecemos de viver a vida que temos.

A quantidade de eventos necessários para que cada um de nós pudesse estar vivo é absurdamente imensa. Tomando apenas o momento da concepção, dentre os milhões de espermatozóides, caso o do lado vencesse a corrida, haveria outra pessoa em meu lugar. Eu só existo porque exatamente aquele espermatozóide e aquele óvulo acabaram se encontrando naquele específico momento. Muito doido pensar nisso. Isso vale para cada pessoa no mundo. Se somarmos o fato de que, dentre todas as oportunidades de concepção entre meus pais, justamente aquela foi bem sucedida, o quadro torna-se ainda mais dramático. E se eles nunca houvessem se conhecido? E se no momento da concepção que os gerou, outro espermatozóide tivesse sido mais rápido? Agora acrescentemos todos os ancestrais...

Quando formamos na mente uma vaga noção da cadeia de eventos naturais que gerou cada pessoa do mundo, passamos a encarar a vida sob uma perspectiva diferente. Foi preciso haver uma ridiculamente enorme sequência de encontros para que se apresentasse a chance de cada um de nós existir. Só tivemos essa única chance, e a aproveitamos.

É difícil aceitar a ideia da morte como fim da consciência, como término da oportunidade de experimentar o mundo. A finitude da vida pode ser confortada, porém, pela consciência de que a probabilidade de nunca haver existido é infinitamente superior à de existir. Mesmo assim estamos aqui. Por que temer então a morte? Melhor fazer a vida valer a pena.

A fé religiosa nos tem feito acreditar que a vida que temos é apenas um estágio supervisionado, ou pior que isso, um estágio probatório. Nada disso! Somos autônomos. Devemos fazer o bem não por causa de um relatório a prestar no final, mas simplesmente porque isso torna a vida melhor, a minha e a de todos os que tiveram a oportunidade ao mesmo tempo que eu.

A imortalidade não está no paraíso, mas nas melhorias que proporcionamos ao mundo, pois ele vai continuar existindo depois que nos formos, e outras pessoas com a mesma sorte poderão usufruir daquilo que deixarmos como herança. Ser imortal é permanecer no mundo, na saudade do mundo. Enquanto isso não acontece, sejamos apenas felizes mortais.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Renascimento

Realinhar o ato
Renovar o fato
Refazer o exato

Reescrever o ano
Reaprazar o cano
Repatriar o plano

Retorcer o aço
Repreender o laço
Repercutir o traço

Recalcular o aro
Reconduzir o faro
Redefinir o claro

Reinterpretar o halo
Rejuvenescer o falo
Redimensionar o calo

Repovoar o elo
Revolucionar o belo
Redirecionar o prelo

Reunificar o eco
Reconstituir o teco
Ressignificar o ygreco

Recondicionar o ego
Reinventar o cego
Regurgitar o prego

Renovar o ato
Refazer o fato
Realinhar o exato

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Agora

Quanto tempo tem o agora?

Seria apenas o tempo exato da pronúncia da palavra?

Se eu pedir pra você iniciar alguma coisa quando eu disser... “agora!”, a primeira sílaba já seria passado e você provavelmente começaria alguns décimos de segundo depois, dependendo da sua velocidade de reação. Então o meu agora seria anterior ao seu.

Talvez o agora seja o exato momento em que nos damos conta de que estamos vivos. Cada momento presente em que percebemos o tempo agindo sobre nós.

Mas será que o agora não acontece independentemente de nossa percepção? Será que dois segundos a partir de agora só será agora se eu pensar nisso?


Enquanto eu pensei o agora já passou.

E se eu continuar pensando?


Agoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooora.


Pensar no agora me fez perder tempo.

sábado, 31 de julho de 2010

Cronologia de uma prosódia

Ô menino!

Larga esse instrumento e vem jantar!
Se ao menos tivesse estudando pra ser doutor...

...

Ô menino!

Que música é essa que você tá tocando?
Como é o nome mesmo?!

...

Ô menino!
Ô menino!

Ô menino bom!
Aquele ali é meu filho, seu doutor!

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Dissonância

No frio silêncio da noite
Ouço apenas o ruído agudo
Das preocupações
Enquanto busco refúgio
Na compreensão que não me pertence

Zumbem-me os ouvidos
Como ecos desafinados
Da sinfonia da vida
Que me escapa
Por entre frestas de sonhos

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Vida Minha

Vida minha certo dia me lançou um olá
Me escreveu um querer
Do outro lado de lá

Vida minha certo dia me chamou pra sair
Me mostrou seu sorrir
Me pediu pra ficar

Vida minha certo dia me contou um segredo
Asterisco sem medo
Me ensinou a sonhar

Vida minha certo dia aceitou meu pedido
Preencheu de sentido
Meu singelo cantar

Vida minha cada dia me permite sentir
Que a magia da vida
Se traduz em te amar!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Orfeu às avessas

Sempre achei por demais curiosa a construção dos deuses pelos antigos, particularmente os gregos. Por um lado poderosos e imponentes em sua elevada posição, por outro, contaminados com uma humanidade que os fragiliza, vitimiza e muitas vezes os expõe ao ridículo. Senhores dos destinos de homens e mulheres, não conseguem lidar bem com suas próprias idiossincrasias e limitações, condição essa imposta como uma espécie de compensação mitológica. Submetidos a uma hierarquia familiar, são movidos por um insaciável desejo de vingança, que recai sobre seus divinos pares e também acaba sobrando, logicamente, para os pobres mortais. Os deuses gregos são sádicos, invejosos e perversos, características muito mais evidentes do que a suposta nobreza heróica de seus postos.

Curiosa é também a perpetuação desses mitos como temas artísticos até os tempos mais recentes. Tomemos o mito de Orfeu como exemplo. Filho mortal de Apolo, Orfeu representa o dom da música. Com sua voz e sua lira é capaz de deleitar e convencer quem quer que seja, desde pássaros até monstros. Eis que outro filho de Apolo, Aristeu, resolve tomar-lhe a amada Eurídice à força. Fugindo das investidas de Aristeu ela é mortalmente picada por uma cobra, na verdade o deus do submundo, Plutão. Eurídice vai parar no inferno e Orfeu pretende trazê-la de volta com o poder de sua música. Plutão, ciente do orgulho e da vaidade de Orfeu, finge sensibilizar-se, mas impõe-lhe como condição para levar Eurídice de volta que ele não olhe pra ela até deixarem o inferno. Sua intenção sádica se concretiza por fim, quando Orfeu não consegue evitar a visão de sua amada, fazendo com que ela fique presa no inferno por toda a eternidade.

Desde a criação da ópera, no início do século XVII, o mito de Orfeu recebeu centenas de montagens diferentes, levando-se em conta apenas os compositores e libretistas que se dedicaram a tal tarefa. Se pensarmos apenas nas obras mais importantes desse universo, tais como as óperas L’Orfeo de Monteverdi e Orphée et Eurydice de Gluck, devemos ter em mente que cada vez que uma delas é apresentada, entram em jogo interpretações pessoais diversas, que envolvem além dos solistas, coro, regente e orquestra, o diretor geral, cenógrafo, figurinista e iluminador, cada um deles responsável por um aspecto vital da performance.

A ópera é um gênero que atravessou quatro séculos e continua vivo, mesmo na era do cinema, por causa da possibilidade que abre de se contar histórias valendo-se da música como principal condutora dos sentimentos das personagens da trama. E quando a trama envolve a mitologia antiga, a obra se reveste de uma aura clássica, de uma atmosfera de solene reverência, como se os antigos soubessem melhor como falar de sentimentos, pois eram deuses e humanos ao mesmo tempo. Através das árias assistimos desfilar o amor e o desespero, a bondade e a crueldade, inveja, orgulho, paixão... Virtudes e defeitos que parecem em estado puro, como se tivessem sido originalmente criados pelos mitos, como se aquelas histórias fossem a fonte primordial das alegrias e dores humanas.

Para contar essas histórias hoje em dia, há quem as ambiente completamente no passado, criando cenários e figurinos de época, mas há também montagens pós-modernas, que exploram formas geométricas, tonalidades de cor, cenários e figurinos que parecem saídos de filmes de ficção científica. Mesmo assim, a música e a história permanecem fiéis ao original, como no caso de Monteverdi e Gluck.

O compositor Jacques Offenbach, porém, imaginou e concretizou um Orfeu completamente diferente. Sua opereta Orphée aux enfers, de 1858, é uma sátira que subverte as expectativas e os valores associados aos personagens principais. Em sua visão, Orfeu e Eurídice são casados, odeiam-se mutuamente e possuem amantes. Em vez de encantar, a música de Orfeu causa calafrios na esposa. Ambientada na França do século XIX, a obra inclui também passagens no Olimpo, trazendo os deuses gregos para a mesma época da trama. Orfeu só vai ao inferno pela esposa por pressão da opinião pública, que na opereta é personificada por uma mulher. Ao fim de tudo, ficam felizes por estarem separados, por obra dos deuses.

A música de Offenbach é rica e inventiva e funciona extremamente bem para as cenas que ajuda a retratar. A obra como um todo torna-se vivamente interessante para quem está familiarizado com o mito original e com as montagens tradicionais, pois o compositor cria sutilezas e citações que só assim são perceptíveis. A opereta ajuda a dessacralizar o mito e cria uma forma divertida de encarar a intertextualidade. Os deuses continuam invejosos e sádicos, perversos e orgulhosos, mas agora podem nos fazer rir ao invés de nos fazer pagar o preço de tê-los criado impregnados de humanidade.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Criança Secular

Canto

Encanto de nascer

Um sonho pra crescer

No conto de viver

Encontro de você

Um lírio no jardim

Amanheceu em mim

Um campo pra plantar

Na calma de se amar

Sou criança secular

segunda-feira, 26 de julho de 2010

domingo, 25 de julho de 2010

Música

Difícil imaginar como seria nossa vida sem a música. Seria como extrair as cores do mundo, deixando tudo cinzento e entediante.

A música é um ser coberto de mistério e encantamento, sem corpo físico, etérea vibração que nos instiga e alimenta nossos mais profundos sentimentos. Ao mesmo tempo nos desafia o intelecto, nos faz perguntas sobre ela própria e sobre nós mesmos, perguntas que nem sempre estamos prontos a responder. Pois a música nos reinterpreta a cada instante; a nós humanos e a nosso tempo. Expõe abertamente nossas fraquezas, como se esperasse que uma culpa redentora pudesse transformá-las. Por outro lado, sabe como ninguém valorizar e preservar as virtudes, com que lhe impregnamos em momentos transcendentes de criação.

E são tantos, mágicos, intensos, apaixonantes, inebriantes momentos em dó maior, ou fá, si, ré... Cromáticos momentos, minimalistas ou tribalistas, etno-dodecafônicos, gregorianos ou balineses, contrapontisticamente intrincados, liricamente perfeitos, simplesmente divinos; momentos barrocos e pós-modernos, cristalinos ou eletrônicos... Momentos vividos no palco, na rua, na roda, no camarote ou na ladeira.

Momentos que hoje podemos guardar no bolso, para revivê-los quantas vezes nos der na telha. Momentos... assim como a vida, a música é feita de momentos, inscritos no tempo, efêmeros e fugazes, mas que felizmente podemos recriar.

A música é uma percepção do mundo. Sim, pois a música ecoa pelo mundo como uma presença obrigatória. A música é uma dimensão do mundo. Uma dimensão repleta de sentidos, significados, valores, ensinamentos, percepções... Uma dimensão que proporciona ao mundo uma beleza própria, uma beleza à parte. A música somos nós, traduzidos sonoramente, simbolicamente. A música não traz conceitos fechados, não existe no mundo visual, não possui o poder de representar nada de concreto. Como diz Oliver Sacks, a música não tem uma relação necessária com o mundo. Mesmo assim, o nosso mundo precisa de música. De boa música.

Podemos analisar o mundo através da música. Podemos dizer quem somos, ou quem julgamos ser, pela música que fazemos. Ela reflete nossos valores, crenças, sonhos, desejos... Como anda a música do mundo? Responder essa pergunta é dizer também como anda a humanidade. A música de hoje reflete uma humanidade superficial, consumista, hedonista, e tecnológica. É claro que existe um outro lado, mas ele parece cada vez mais isolado, mais distante do famigerado senso comum. É preciso educar o mundo através da música. Educar o mundo para a música. Educar o mundo da música e a música do mundo. Ela pode ser muito mais do que sons organizados. Pode revestir-se de uma verdade libertadora, conferindo uma perspectiva inteiramente nova à vida daqueles que se dispuserem a ouvir com um pouco mais de atenção.

A música oferece ao tempo a oportunidade de experimentar por um instante as infinitas alegrias e dores humanas. Transforma os ouvidos em órgãos vitais e lhes transfere o poder de perceber o tempo nos retribuindo e nos tornando imortais.

sábado, 24 de julho de 2010

Conhecimento

Uma pequena grande riqueza do ser humano, um fenomenozinho fascinante esse tal de conhecimento. Instala-se em nosso cérebro, toma lugar em nossa cabeça na forma de elementos químicos ativados por impulsos elétricos. É capaz de coordenar ações, de mover músculos com um assombroso refinamento, de provocar descargas hormonais, criar imagens, mexer com nossas emoções. Um único pedacinho de informação. E quantos desses pedacinhos não acumulamos na vida! Cada um indo se instalar no seu canto, esperando a hora de ser necessário.


Ah, e eles criam associações, sindicatos, cooperativas. Gostam de atuar em conjunto os conhecimentos. Se você ganha hoje um novo conhecimento sobre história, quando menos esperar o metido estará fazendo parte de uma conversa sobre o clima, o cardápio, ou até sobre cinema e futebol.


Mas o fato mais fascinante sobre os conhecimentos é sua incrível capacidade de reprodução. Deixe dois deles juntos um tempinho pra ver... São piores que coelhos! Os coelhos procuram apenas os da sua espécie, os conhecimentos não. Pra eles não há o menor problema se o pai veio de um livro escrito há 300 anos, que você leu nas férias de 1995 e a mãe nasceu de uma música composta ontem pelo seu amigo canadense, que você baixou pela internet e acabou de ouvir no seu ipod. Se você deixar que role uma química entre eles, terá um habitante a mais em seu cérebro antes que possa se dar conta.


Há muitos tipos de conhecimento, mas a maioria deles representa escolhas que fizemos, e essas escolhas acabam construindo a pessoa que somos. Somos nós que escolhemos dar atenção e propiciar o surgimento dos conhecimentos. Eles, por sua vez, nos indicam novas escolhas, novos processos. São esses pequenos habitantes de nosso cérebro que nos vão revelando o mundo. Nosso mundo precisa de conhecimentos dançantes, sorridentes, inquietos, ansiosos por atuar, traduzir, transformar. Só precisamos dar-lhes a chance.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Prazer

- Olá! Muito prazer! ... soam as vozes automaticamente em cotidianos apertos de mão, em matemáticas reuniões ou nas variadas cirandas sociais que costumamos frequentar em busca de nós mesmos.

No frenético carrossel de nosso tempo, a vida passa rápido. Cada vez mais rápido. Enquanto isso somos tomados por sonhos pré-fabricados, verdades pasteurizadas e ideais de supermercado.

Nós, homens e mulheres pós-modernos, cultuamos a alegria em doses, rações de entretenimento que se consome sem moderação. Afinal, o que move a engrenagem de nossa sociedade é o prazer. Que seria de nós sem as sensuais, adocicadas, tecnológicas, infantis, químicas ou televisivas doses de prazer? Ah, sem elas ficariam apenas as frustrações do corpo perfeito ou da conta no banco. Melhor não pensar nisso. Aliás, melhor não pensar em nada. Pra que pensar? Pensar dá trabalho.

É inegável que nossa época negligencia o intelecto em prol dos sentidos. Resume-se a vida a uma festa dos sentidos. Pouco importa se o cérebro porventura se atrofiar por falta de uso.

À margem de todo esse monopólio dos sentidos, porém, há um outro prazer, que foi sufocado pela velocidade e pela superficialidade que se apossaram de nossa existência: o prazer de pensar. Vivemos a imposição de que pensamento e prazer são incompatíveis. Pensar implica em esforço pessoal, o que é tido como algo anti-espontâneo e entediante.

- Pois é, pensar é o que nos torna humanos!
- Ah sim, claro, mas deixemos essa humanidade para os cientistas. Eles que queimem os neurônios pra que eu não precise queimar os meus...

E o prazer de descobrir ou inventar os próprios caminhos? E o prazer de conhecer e incorporar em sua visão de mundo a herança daqueles que mudaram a humanidade pra melhor? E o prazer de ampliar os sentidos para perceber muito além do lugar-comum? Esforço pessoal traz consigo um prazer inigualável. Um viver consciente da própria época, com o poder de fazer escolhas críticas e proporcionar aos sentidos o prazer da diversão e do conhecimento.

Muito prazer pra você que gosta de pensar.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Símbolos

Vivemos num mundo de símbolos. O espírito humano é uma cidade cheia deles. Navegamos pelo mundo através dos símbolos. Construímos nossa comunicação e nossos referenciais através deles. Estamos o tempo todo vendo ou ouvindo alguma coisa, e pensando em outra coisa, por associações simbólicas. Os símbolos criam para nós as explicações do mundo. Simples assim. Complicado assim.

O mundo somos nós! Somos pretensiosos a ponto de achar que entendemos o mundo. Criamos símbolos pra isso também. Para nos dar as respostas que não podemos ter. Para nos consolar frente a nossa suposta insignificância ou a nossa finitude. Para justificar nossa magnificência ou superioridade quando assim nos parece oportuno. Simples assim.

Não podemos tomar para nós as dores do mundo, pois temos que ser felizes. Não podemos ficar alheios às dores do mundo, pois temos que ser humanos. Complicado assim.

Viver é um exercício maravilhoso. Ainda ontem aprendemos a decifrar os símbolos básicos que nos tornaram capazes de pensar e de sentir. Hoje precisamos tomar decisões que vão determinar o que isso significa. Talvez viver seja justamente um exercício de interpretação.

Aproveitar a vida, então, é experimentar o encantamento de construir e de acreditar em sua própria leitura do mundo.